quarta-feira, 31 de agosto de 2011


CRÔNICA DE UM QUASE-AMOR...


É tudo tão simples, um gesto, uma palavra, um sorriso que eu roubo. E meu dia, assim, vai sendo mais azul, mais completo. E meu peito, que antes melancólico, se torna uma brasa morna, pendendo calores de amores e silêncios...
Mas, diga-me se não é nestes detalhes que a vida se faz verdadeira? Se não são essas pequenas epifanias, essas margaridas que nos nascem em meio ao charco lamacento da rotina, o que nos faz seguir em frente? Mas, então, diga-me você, inteira, em qual parte vibra mais seu corpo, diga-me de mim o que mais lhe agrada, que nada pensarei em não tentar para fazer-lhe mais feliz... Tentar dizer o indizível é tarefa árdua, mas parece-me tão mais simples fazê-lo do que subsistir sem estar perto, sem sentir os cheiros e os sons, sem sabê-la mais minha do que de costume...
Tantos versos somem quando não é ela a me inspirar, porém eles sobram quando vem em desatino e serenidade. Somam-se a eles as minhas alegrias, que são suas, que são nossas, que são o que de bom a vida tem, pois o que possuímos é inominável, não cabe em rótulos ou fórmulas, não existem teorias que definem. É inegavelmente superior...
Amores carnais queimam, intensa e vivamente, mas esfriam, morrem, sucumbem ao seu próprio fogo. Amores de alma se enlevam e se eternizam pela sinceridade e pureza que encerram. Suponha-me em sua vida como uma parte inseparável, pois, de mim, é infinda e dura que a breve distância não é capaz de fenecer.
Não poderia negar que em certo tempo esse sentimento de amizade, superiormente considerada, confundiu-se com outra coisa qualquer que não encontra espaço para ser comentada. E o que restou, ao final, foi esse amor que transcendeu o físico, o humano e triste amor terreno. Culpa minha se não foi dito em melhor hora, mas foi dito em muitos olhares e abraços e cartas e carinhos e saudades... Foi uma obra quase magnífica naquela época, em que eu tateava a apreensão de qualquer coisa para cumprir o papel algoz de uma infantilidade num ofício de amigos...
Na verdade ela sempre soube, foi a solidão quem sugeriu (tinha vontade de dizer aquilo, mas não tinha a coragem para fazê-lo). Ela aceitou. Sem saber que o que estava escrito era de fato o que eu sentia, foi como uma brincadeira, um jogo. Para mim, como uma batalha que se luta em vão por já estar perdida. Percebi uma inquietação, um desconforto, mas afinal, o que seria de nós se não fosse aquele silêncio consensual?
Talvez eu nem queira lembrar. Causa-me certa vergonha incontida a fragilidade expressa... Não acontecemos para que os dias de hoje não se tornassem mais pesados e oblíquos. A singularidade da solidão que sinto é indigna da beleza do amor que eu nutro por ela...
Sabe, hoje é tudo muito diferente. Hoje eu ocupo um lugar diferente na vida dela, já ela, ocupa o mesmo lugar, a única diferença é que tomou mais espaços, ocupou outros cômodos além daqueles de antes. Talvez, naquela época, se eu tivesse sido direto, hoje não estaríamos tendo essa conversa, talvez naquela época ela não fosse me entender como hoje entende. Então, se existe algum arrependimento, não seria o de não ter lhe dito isso antes, mas somente de não ter sido aquilo que eu quis tanto em certo momento.
Hoje, o que eu sou se sobrepõe ao que aparentemente veem. É bem provável e nisso acredito. Por isso penso que dizer minhas verdades naquela época seria meio que inútil. Foi sacrificante estar ao seu lado, como amigo, querendo ser mais, mas valeu a pena...
O que me encantava era o seu jeito, o olhar, as mãos. Ah! As suas mãos eu adorava, e ainda adoro! A pele, as unhas, as linhas, tudo... O jeito de sorrir escancarado. A forma como seus olhinhos se fechavam e deixava a cabeça meio de lado com os dentes sendo oferecidos num sorriso divinal... Até mesmo o cheiro que teve um dia aquele abraço.
Não sei por que citei somente essas partes... Talvez porque aquilo que os outros viam fosse o que restava diante de tudo o que vinha antes... Lembro até do jeito como me falava de alguém ou de alguma coisa, olhando nos olhos, segurando quando em vez minhas mãos, dando tapas no meu ombro quando eu fazia alguma brincadeira mais ousada. O jeito de escrever, baixando a cabeça e deixando o cabelo cair por sobre os ombros, com a perna esquerda cruzada sobre a direita, embalando-a e ao corpo... O jeito como me abraçava, pousando as mãos sobre minhas costas, e fechando os olhos... São tantas coisas que vem antes das suas curvas, tantas coisas mais bonitas e importantes... Não ter sido um exemplo de beleza padrão me fez ver, nos outros, muito além do que é visível...
Como são distantes os caminhos! E, mesmo assim, por vezes eles se cruzam em algum ponto. E a partir daí, não se pode mais deixar de sentir, de pensar, de olhar, e fica-se a lembrar, a supor, a sonhar, restando, apenas, as reticências escritas de tudo aquilo que não aconteceu.

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