No dia em que me deixaste, não chorei ou reclamei. Não restaram mágoas ou tristezas. Ficou apenas um vazio crescente envolvendo tudo, uma incompletude desconfortável.
No dia em que partiste, o céu não deitou águas sobre mim e nem os ventos alvoroçaram as folhas das árvores que o outono secou. Mas, dentro da casa, um silêncio impróprio se apropriou dos cômodos e a cama se tornou imensa. E dentro de mim permaneceste, quase que intacta, sob a forma de uma saudade.
O pequeno lábio não ensaiou palavras, o lápis se calou.
Quando te foste, a minha música cessou e os discos envelheceram, arranhara-se todos, viraram pó. Meus poemas não passavam de folhas rabiscadas cheirando a adolescência confusa. Perdi o sentido. Meus versos, minha música, minha voz... Nada mais encontrava pouso. E eu flutuava nessa ausência.
Quando disseste, sem dizer, que não mais seríamos, senti pulsar brevemente o meu coração, que depois parou, infinitamente, no segundo seguinte. E assim está até hoje, mesmo que as batidas insistentes aprimorem a lassidão.
Quando, sem rumo, fiquei, teus passos seguiram lentos em direções que a minha direção desconhecia. Não coube-me entender como ou por quê te afastavas. Os meus olhos calmavam a imagem que se ia diminuindo e vazavam a brevidade desse olhar. Tudo era sépia àquele tempo.
No dia em que não mais te vi, um pássaro repousou as asas eternamente. Duas folhas desceram a distância da árvore à terra e sucumbiram à estação. O frio chegaria tranquilamente, pouco e pouco, nos dias que viriam. E a tua ausência, travestida na minha solidão, seria a companhia mais presente na minha pequena dívida de tempo.
Por teres me deixado, não se ouviu mais a canção que fazia amanhecer o dia e dava tons verdes ao céu azul. Não se exclamavam as valquírias ao caminharmos de mãos dadas nas ruas da cidade noturna. Os cafés, normalmente tediosos, cobriram-se de monotonias interioranas sem nossos olhares pelas vitrines. Havia, apenas, a imensa falta que fazíamos à existência.
Mas, por outro lado, quando me deixaste, desfiz-me de algumas lágrimas que há tempos me pesavam na alma. Nada triste, nenhuma mágoa... E preenchi com acréscimos de mim mesmo o espaço que ocupavas.
A pensar no dia em que partiste, um céu azul se avolumou enquanto uma brisa leve soprava suavemente sobre o meu rosto ao quebrar de folhas secas sob os meus pés. A casa permanecia serena em si, aguardando vida para haver. Até a cama se oferecia inteira, convidando ao descanso.
Fiz-me todo silêncio, de sons e páginas em branco.
Já que te havias ido, fui à natureza ouvir seus cantos e abri mão dos alto-falantes. Vi a poesia do mundo brotando de meus poros e não necessitei de versos. Reencontrei um eixo. Cantos, poesias, sensações... Flutuava nessa experiência.
Por me dizeres, sem dizer, que não cabíamos mais em nós, deixei o coração quieto um pouco, simples, para dar novo sentido ao seu prosseguir.
Quando tudo pareceu perdido e já não estavas a meu lado, não questionei motivos. Acostumei-me à ideia da tua partida e fotografei-te numa lembrança que hoje é passado.
Quando não mais te enxerguei, era outono. A natureza mostrava-me que tudo se renova, que era necessário se desfazer do velho para darmos espaço ao novo. E estar só foi como renascer.
Por estar só, abandonei hábitos que só faziam sentido quando contigo. Reconheci detalhes da cidade que antes não percebia e provei, enfim, os cafés que só conhecia pelo aroma imaginado das vitrines. E restou, então, à nossa história, apenas o fato imensamente envelhecido de havermos, em algum tempo, sido.
Imagem original em: http://maniadesabrina.blogspot.com
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