terça-feira, 20 de março de 2012

Àquele tempo...






No dia em que me deixaste, não chorei ou reclamei. Não restaram mágoas ou tristezas. Ficou apenas um vazio crescente envolvendo tudo, uma incompletude desconfortável.

No dia em que partiste, o céu não deitou águas sobre mim e nem os ventos alvoroçaram as folhas das árvores que o outono secou. Mas, dentro da casa, um silêncio impróprio se apropriou dos cômodos e a cama se tornou imensa. E dentro de mim permaneceste, quase que intacta, sob a forma de uma saudade.

O pequeno lábio não ensaiou palavras, o lápis se calou.

Quando te foste, a minha música cessou e os discos envelheceram, arranhara-se todos, viraram pó. Meus poemas não passavam de folhas rabiscadas cheirando a adolescência confusa. Perdi o sentido. Meus versos, minha música, minha voz... Nada mais encontrava pouso. E eu flutuava nessa ausência. 

Quando disseste, sem dizer, que não mais seríamos, senti pulsar brevemente o meu coração, que depois parou, infinitamente, no segundo seguinte. E assim está até hoje, mesmo que as batidas insistentes aprimorem a lassidão.

Quando, sem rumo, fiquei, teus passos seguiram lentos em direções que a minha direção desconhecia. Não coube-me entender como ou por quê te afastavas. Os meus olhos calmavam a imagem que se ia diminuindo e vazavam a brevidade desse olhar. Tudo era sépia àquele tempo.

No dia em que não mais te vi, um pássaro repousou as asas eternamente. Duas folhas desceram a distância da árvore à terra e sucumbiram à estação. O frio chegaria tranquilamente, pouco e pouco, nos dias que viriam. E a tua ausência, travestida na minha solidão, seria a companhia mais presente na minha pequena dívida de tempo.

Por teres me deixado, não se ouviu mais a canção que fazia amanhecer o dia e dava tons verdes ao céu azul. Não se exclamavam as valquírias ao caminharmos de mãos dadas nas ruas da cidade noturna. Os cafés, normalmente tediosos, cobriram-se de monotonias interioranas sem nossos olhares pelas vitrines. Havia, apenas, a imensa falta que fazíamos à existência.

Mas, por outro lado, quando me deixaste, desfiz-me de algumas lágrimas que há tempos me pesavam na alma. Nada triste, nenhuma mágoa... E preenchi com acréscimos de mim mesmo o espaço que ocupavas.

A pensar no dia em que partiste, um céu azul se avolumou enquanto uma brisa leve soprava suavemente sobre o meu rosto ao quebrar de folhas secas sob os meus pés. A casa permanecia serena em si, aguardando vida para haver. Até a cama se oferecia inteira, convidando ao descanso.

Fiz-me todo silêncio, de sons e páginas em branco.

Já que te havias ido, fui à natureza ouvir seus cantos e abri mão dos alto-falantes. Vi a poesia do mundo brotando de meus poros e não necessitei de versos. Reencontrei um eixo. Cantos, poesias, sensações... Flutuava nessa experiência.

Por me dizeres, sem dizer, que não cabíamos mais em nós, deixei o coração quieto um pouco, simples, para dar novo sentido ao seu prosseguir.

Quando tudo pareceu perdido e já não estavas a meu lado, não questionei motivos. Acostumei-me à ideia da tua partida e fotografei-te numa lembrança que hoje é passado.

Quando não mais te enxerguei, era outono. A natureza mostrava-me que tudo se renova, que era necessário se desfazer do velho para darmos espaço ao novo. E estar só foi como renascer.

Por estar só, abandonei hábitos que só faziam sentido quando contigo. Reconheci detalhes da cidade que antes não percebia e provei, enfim, os cafés que só conhecia pelo aroma imaginado das vitrines. E restou, então, à nossa história, apenas o fato imensamente envelhecido de havermos, em algum tempo, sido.





Imagem original em: http://maniadesabrina.blogspot.com
   

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