terça-feira, 26 de junho de 2012

Permanente





 Quando retornei à casa pela primeira vez após a tua partida, a vida, que se antes abundava, inexistia. Tua breve passagem deixou-nos – eu e a casa – fora do eixo. Quase nada restou. Só resistiu a tua ausência, a mesma ausência que trouxeste contigo, sob os olhos frios com os quais me olhavas sem mover os lábios. Recusaste-me a permanência das tuas pernas entrelaçadas às minhas e aos lençóis que cobriam nosso pudor, recusaste-me a extensão dos teus cabelos, recusaste-me a suavidade do toque das tuas mãos em meu corpo sedento, recusaste-me o tato das minhas mãos no teu corpo. E, agora, recusas à casa a vida que a enchia quando tu estavas.
Na primeira vez que retornei à casa, ela se queixou, pelos silêncios nos vazios cobertos do pó da tua ausência, do teu egoísmo em deixá-la assim, a esmo, ao sabor dos ismos que ficaram a preencher os espaços onde, antes, tu vivias. Melancolias expressas nos retratos de tua estada, tua suposta alegria emoldurada nas paredes nostálgicas contrariando a aparente frieza do teu sorriso. Até mesmo a rua, onde sobrevive a casa, está mais triste, mais cinza. Tua partida coincidiu com a transição entre o outono e o inverno, como que colaborando com a monotonia das manhãs geladas em que o sol repousa sobre as nuvens de uma chuva que não cai.
Entrei e fechei a porta. Era tarde. Ouvia-se, apenas, o som dos galhos secos chocando-se uns contra os outros no quintal coberto de folhas e lembranças. A penumbra na sala permitia ver a silhueta dos móveis que levaste embora. No canto, uma única cadeira permanecia, solitária, fazendo lembrar os jantares cheios de vozes, músicas, vinho. A estante ainda abrigava alguns livros rejeitados por ti, por motivos que desconheço. Dentre eles, um me chamou a atenção: Perto do Coração Selvagem. Clarisse figurava solitária entre obras que talvez jamais tivesse lido se não pela tua indicação.
Notei que a cortina na porta da varanda ocultava um recado escrito no vidro. Era o teu batom a desenhar as letras que formavam as palavras que jamais esquecerei: “Fui feliz aqui.” . Sem assinatura, apenas um ponto final.


2 comentários:

ANGELICA LINS disse...

Muito intenso. Sentido. Doído.
De uma sensibilidade ímpar.

Gosto de estar aqui.
Beijo

ANGELICA LINS disse...

Muito intenso. Sentido . Doído.
Sensibilidade ímpar.

Gosto de estar aqui.
Beijo