terça-feira, 9 de outubro de 2012

A chuva, o poeta e a cidade










          Desce, sobre a cidade, uma grossa camada de água. A chuva se precipita indiferente às ações do homem que reside nesta cidade. As roupas esquecidas no varal, os carros estacionados, o mendigo que está sob a marquise. Nem mesmo o cachorro abandonado pelo homem que reside na cidade é imune aos efeitos da chuva. É cedo, a cidade dorme. Acordados só os trabalhadores, os restantes das festas, as vítimas da insônia estão. Ouve-se, apenas, o som da água sobre os telhados e as coisas da rua.

          Calcula-se que, em algum lugar, alguém escreve estas palavras que serão lidas em uma tarde de verão, em janeiro, talvez, sob a sombra de uma árvore numa praça qualquer, ou numa tarde de um julho insistente em que o vento teima virar as folhas das árvores dormentes.
É preciso dormir. É preciso ceder ao sono, ao cansaço. A chuva - que desce indiferente sobre a cidade - desconhece o sentido do sono.

          Chover é um fenômeno natural, necessário e conhecido. Dormir também.
Enquanto a cidade dorme e a chuva desce sobre ela, alguém, em algum lugar, escreve sobre a chuva e a cidade. Talvez não esteja chovendo. Talvez seja apenas a impressão equivocada de alguém que sequer está nesta cidade. A cidade pode ser o mundo inteiro. A chuva pode ser o sonho de alguém que dorme. E, enquanto se discute o que é a cidade e o que é a chuva, deve haver alguém lendo e se perguntando: - Qual a relação entre a chuva e a cidade e o sono? Para esta pergunta, a resposta é


          A chuva já não desce sobre a cidade, nem todos dormem, mas a água que se percebe sobre as coisas da cidade indica a sua existência. É a prova concreta de que ela existiu. A prova é o sono. Repousa sobre a cidade a chuva que cruzou a noite. Há sol, mas não se vê. Vê-se apenas os sinais das coisas. Vê-se, nos olhos dos transeuntes, os sinais do sono... ou da ausência dele. Alguém lê sobre a chuva e sente sono. Alguém dorme enquanto o sol resplandece sobre as nuvens cinzas que derramam água sobre as coisas. A chuva é o homem que vive na cidade. O Sono é.

          Nem todos percebem a chuva, nem todos dormem, mas o sono e a chuva estão lá.
Desce sobre a cidade uma grossa camada de água. Uns dirão ser a chuva, outros não dirão nada, apenas contemplarão o som da chuva sobre os telhados. Mas há aqueles que sentirão a Chuva em si, dentro de seus corações suplicantes, talvez durante o Sono, talvez após despertarem. A chuva é um fato, o sono é um meio.

          E mesmo que digam que a chuva é uma invenção, ainda que digam que o sono é uma deturpação do homem, não cessará a chuva, não deixarão de dormir na cidade que recebe a chuva - tão vulneravelmente sedenta.

      Calcula-se que, em algum lugar desta cidade, alguém – que supostamente existe - escreve estas palavras que serão lidas indiferentemente por alguém que não se sabe quem é, ou onde está, ou sequer conhece essas palavras que – começo a duvidar – foram escritas realmente.














3 comentários:

Anônimo disse...

Gostei, parabéns!

Gladis Deble disse...

Pode ser que alguém leia tudo atentamente bem antes de janeiro...
Belo texto de chuva Anderlo !

Abraço da Gladis

Gladis Deble disse...

A chuva é real e o que foi escrito sobre seus sinais pode estar sendo lido bem antes que janeiro estenda seus raios de sol na paisagem...

Belo texto Ânderlo !
Um abraço da Gladis