sábado, 27 de agosto de 2011


DES-SER




Desfaço-me de mim nas minhas ausências, de gestos e vozes, para que o meu não querer seja mais completo e menos raso. Penso, sobretudo, em tudo quanto me é possível pensar. E é nas possibilidades que resido e que reside a minha falta. Dói-me mais o estar-se sem estar do que o silenciar uma presença plena de si e completa de sentidos. Desfaço-me das ausências que imponho e escrevo para que não me saibam, não deixando transparecer o eu que eu sou e, assim, sendo o eu que me costumam achar, somente.
Ponho-me à espera da tarde, trespassando a vagarosa manhã que arrasta suas horas e cores num fluxo pesado e grosso de sensaborias disfarçadas de nostalgia. As tristezas que nela carrego se espessam e contraem até que pareçam um fole esgarçado para, doridas, fazerem-mas sentir mais. E nessa vazão de coisas e tempo, o que permanece é a certeza líquida de que nada é certo.
Digo às solidões que não possuo amores precedentes e nem pretensões, tão somente me seja permitido omitir, de enunciar lamentosas paixões para, depois, pungir suas irrealizações. E elas me acodem num canto úmido e umbroso do quarto de dormir, sobre a cama e sob os lençóis brancos que não costumo sujar. Permanentemente essas mesmas solidões esfregam-me à face a realidade cruel com a qual convivo e, distante de qualquer tepidez suportável, convertendo-me em brasa, cruzo as noites claras transpirando desejos vários que ficam desenhados em minha pele nua e em minha alma indômita.
Quedo-me inerme na condição de simples expectador de minhas próprias angústias, na ânsia de desfazê-las e refazê-las em outro campo que não o dos desejos, talvez dos saberes ou das sensações não corporais. Mas nada há que acalmar-me faça e sucumbo lentamente em vagas de frêmitos incessantes que exasperam qualquer possibilidade de racionalizar o que é sentido.
Outra vez a manhã me pesa nesse desejo de isolamento total, de tudo e de todos os que me cercam. Custa-me muito o contato com essas gentes que são tão animadas pelos prazeres quotidianos, essas gentes que ignoram as condições em que se mantém vivas, numa passividade bovina, sendo guiadas pela inconsciência coletiva de si mesmas, tão acostumadas a subsistirem na ideia concêntrica de retidão moral, sexual e financeira, que nada fazem senão dar seguimento a hábitos ancestrais contíguos. Perco-me diante de tanta necedade e me afasto, ainda que mentalmente, para que não se instile em meu ser consciente de si essa fraqueza nebulosa. Calma manhã de sombras e nuvens e desejos de inexistência.
É tarde. É tarde não só na classificação das horas do dia, é tarde para outras coisas, é tarde para mim. Busquei espaços que não eram meus para alastrar minhas urgências e discorrer sobre minhas singulares impressões. É tarde e, por ser tarde, não resta tempo para divagar possibilidades indistintas. Apresso-me em retomar minha solidão cativa. Busco, na ausência do esforço, ocultar minha incapacidade de negar meus próprios dogmas.

Nenhum comentário: