terça-feira, 11 de outubro de 2011

MIOPIA QUE ME PESA – Uma reflexão acerca das perdas




NOTA INTRODUTÓRIA

Calei-me mais uma vez como o de costume. Como costumava fazer a vida toda que, em suma, não transpôs a magnitude de ser somente o efeito de esperar a morte. Calei-me indefinidamente pelo simples desejo de não batalhar mais aquela ignorância incontida.”
Sucessões de Silêncios – Ânderlo Strwsk

Resolve-se não lutar, resolve-se não vencer, não se buscar o poder da razão. Mas não advém daí a minha fraqueza moral, e sim, da constante luta interna que travo a cada dia durante a espera pela morte – o que aqui chamei primeiramente de vida – para não sucumbir aos desejos que, para serem realizados, conflitariam com as máximas populares tidas como as regras do bem viver da sociedade, a cruel mesa da dissecação moral. A tortura hipócrita que praticam aqueles que se julgam donos da “moral e dos bons costumes” é o que há de pior na vida dos que verdadeiramente sonham. Estar-se exposto à avaliação dos outros e mais, ser vulnerável a esse julgamento, traz-lhes adiante da incógnita que se torna o caminho. E não obstante, dá-lhes razão para as tantas doenças de alma com que lidam os filósofos e os psiquiatras.
A mim, o que mais me motivou a calar, foram as desilusões das questões amorosas. Reivindiquei mais do que ofereci. Eis o maior erro dentre todos os erros. E dessa lástima sofri e sofro tantos dias quantos acorde. Raras vezes não estive a pungir lacunas, a lembrar de possibilidades, a imaginar o que viria nas reticências de tantas histórias incompletas. Mas sofrer é inerente à condição humana. O sofrimento, objeto de tantos ensaios e teorias, é incontestavelmente necessário à evolução do caráter e da identidade. E desses ensaios e teorias muito me vali para chegar às conclusões que aqui exponho. Agora, não confunda um desabafo com uma teoria, eis tudo o que não pretendo com meu relato. Suponho apenas que meus dizeres externados deixem de me pesar tanto à alma e ao espírito e que, expostos, valham-me mais do que guardados neste espaço acinzentado e massivo que me chamam – os que me julgam - de consciência.

CAPÍTULO PRIMEIRO – das primeiras conclusões


Nada demais, só mais um amor em minha vida”
(Pra se lembrar – Ed Motta)

Entendi o que, pela prática, não pude concluir: somos fruto de tudo o que não deixamos de viver. Eu, sujeito introvertido e reservado, sou o que sou porque não abri mão de tudo o que foi possível viver, tudo. Desde os amores incondicionais ao platonismo das relações que não se concretizaram por diversos fatores que independeram de vontade. Dessas relações recebi a carga das minhas escolhas. E de tudo o que não vivi advém as minhas falhas, fraquezas, defeitos, pois, são elas, reflexos das condições a que estive exposto.
Um exemplo que poderia ilustrar essa afirmação que encerra o parágrafo acima seria a do menino que nunca entrou no mar e, consequentemente, não sabe nadar. Ele só não sabe nadar porque não teve contato com a água, não recebeu os estímulos necessários. Não poderá ele nadar até que entre no mar ao menos uma vez. Assim acontece com a identidade do indivíduo. Ela é resultado de todas as experiências pelas quais o indivíduo passou e também por aquelas que ele deixou de passar. Ele não sabe nadar, isso é uma característica dele, fruto de algo que ele não fez, não viveu. Outro exemplo para elucidar essas colocações é o dos relacionamentos que se findam pela incapacidade de os indivíduos reconquistarem pequenas coisas – atenções, delicadezas, sutilezas, carinhos, compaixão - que vão perdendo ao longo do caminho e que, sem eles, ficam impossibilitados de avançarem na relação. Como disse Lévi-Strauss em Mito e Significado:

(...) creio que há certas coisas que perdemos e que devíamos fazer um esforço para conquistá-las de novo, porque não estou seguro de que, no tipo de mundo em que vivemos e com o tipo de pensamento (...) a que estamos sujeitos, possamos reconquistar tais coisas como se nunca as tivéssemos perdido; mas podemos tentar tornar-nos conscientes da sua existência e da sua importância. (...)”.

Quando os relacionamentos se findam por essas perdas de que foi falado e, caso sejam retomados, jamais serão como eram antes e isso não se pode negar, porém, deve-se entender isso como uma chance de corrigir os erros que conduziram o relacionamento ao fim, evitar novas perdas. É necessário que os indivíduos identifiquem quais os pontos que exigem maior atenção, a partir de uma análise das próprias experiências. Para exemplificar usemos o caso mais recorrente de sentimento que leva ao fim os relacionamentos: o ciúme. E dele não podemos deixar de inferir uma carga de outros sentimentos nocivos: a desconfiança, a cobrança, opressão, ira, desespero. O indivíduo ciumento não avalia o quanto este sentimento pode prejudicar o relacionamento até que este acabe. Só então ele poderá avaliar sua parcela de colaboração para este fim. Caso o indivíduo retome a relação, será indispensável que ele trabalhe em si este ciúme, para que não cometa os mesmos excessos que o levaram a romper da primeira vez. Mas os indivíduos preferem desistir das relações a tentar avaliar os seus erros e procurar corrigi-los.

CAPÍTULO SEGUNDO – das observações apontadas


“Deixa que o beijo dure, deixa que o tempo cure
(A idade do céu – Paulinho Moska)

A retomada da relação envolve um esforço de ambos os indivíduos para ajustar todos os pontos de instabilidade existentes – e é natural que esses pontos existam e que sejam muitos – e, assim, caminhar para uma harmonia interna e externa. Mas os indivíduos não possuem esse discernimento. E, além disso, existem muitos outros fatores que influenciam esse movimento. Dentre estes fatores podem-se citar todas as mudanças que surgem em relação ao primeiro estágio do relacionamento antes de o término. Os indivíduos retomam a relação já prevendo que serão cometidos os mesmos erros, ambos com a defesa em riste, ambos prontos a atacar para não serem atacados. E daí para o fim definitivo é questão de dois ou três tropeços.
No caso do sujeito ciumento, a sua principal falta não é o próprio ciúme, mas a desconfiança no outro – e essa relação é intrínseca e quase indivisível, mas existem diferenças sutis – pois, ter ciúme é totalmente aceitável, mas desconfiar do outro não. O indivíduo pode se sentir incomodado por uma situação em que percebe o seu companheiro sendo assediado por outro indivíduo, mas isso não pode ser motivo para que vá desconfiar do parceiro – e nesse ponto não levo em conta as especificidades de cada indivíduo, as situações particulares ou os desvios de conduta dos seres, refiro-me apenas às situações claras e explícitas que foram observadas ao longo do tempo.
Na citação de Lévi-Strauss retomo a seguinte frase: “...podemos tentar tornar-nos conscientes da sua existência e da sua importância.”. Referindo-se às coisas perdidas que, se retomadas não serão como antes, Lévi-Strauss afirma que podemos – e eu acrescento que devemos – tornar-nos conscientes de o quanto essas coisas faziam parte de um todo maior e que, sendo parte, eram tão importantes quanto o todo.

CAPÍTULO TERCEIRO – das conclusões seguintes


Dói em mim ver que toda essa procura não tem fim. E o que é que eu procuro afinal?
(O Silêncio das Estrelas – Lenine)

O indivíduo isolado é incapaz de inculcar em si sentimentos que não tenha vivido efetivamente. E dessa incapacidade surge a necessidade de se socializar para desfrutar de uma gama maior de sentimentos – os bons e os ruins - pois esses sentimentos o moldarão à medida que aprender a lidar com eles.
Ao nos apropriarmos de determinados sentimentos passamos a cultivá-los como sendo parte de nós, e de fato são. Ao sofrermos as perdas ao longo do caminho, buscamos reconquistar a coisa perdida, mas ao reconquistá-la, vemos que não é a mesma de antes, e partimos na busca de outra coisa para preencher o vazio da coisa perdida. Essa busca é incessante e, à medida que procuramos, nos distanciamos daquilo que se perdeu. Até chegar ao ponto de não sabermos mais o que realmente procuramos. Então ficamos perdidos, desorientados, sem saber o que fazer com a coisa reconquistada que não preenche o vazio inicialmente deixado.
O vazio deixado pela coisa perdida e aquilo que reconquistamos e não encontra espaço em nós é o que nos mantém vivos. Sempre buscando algo, sempre procurando um novo espaço. Parece-me que somente o equilíbrio entre o vazio e aquilo que não encontra espaço pode nos manter em harmonia conosco e com o outro.

CAPÍTULO QUARTO – das conclusões finais


Posso ouvir o vento passar, assistir à onda bater. Mas o estrago que faz a vida é curta pra ver”
(O vento – Rodrigo Amarante)



Não seria ingênuo a ponto de dizer que essas reflexões são facilmente aplicáveis na prática, nem que todas as situações são adequáveis aos exemplos que citei, mas não pretendo dar uma receita, estabelecer um método ou criar uma fórmula mágica. Muito além dessas coisas, quero apenas registrar um ponto de vista pessoal e míope da realidade que pude observar e que me pesa.
Não seria possível sentar e observar essas situações, esses tomos de vida, e traçar uma regra para enquadrar os indivíduos sem se viver, sem experimentar as sensações, os prazeres, as dores. Posso, até, assistir ao que se passa ao meu redor, ter consciência daquilo que me importa, do que me modifica, mas jamais verei quantos vazios e quantos excessos me são parte. Basta-me saber que a vida é demasiado curta para ensaiar e eu serei feliz com o que sou.




                                                                               Ânderlo Strwsk
                                                                                           Bagé, 2 de fevereiro de 2011.





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