terça-feira, 13 de setembro de 2011

CONTILHADO

 Dos dias que não eram mais tão quentes eu sentei-me à beira da tarde para extrair horas calmas. E eram tão mais quentes que nem mesmo a solidão era tão mais fria que o meu abraço vazio. Pude viver aquele momento inteiro e silencioso. Eram tardes quentes de tempos em que não se viam tantas flores nem tantos versos nem tantos silêncios quanto os que eu estava acostumado.
Caminhar na tarde, caminhar, caminhar. Em solidão me pus a não andar, a não fazer, a não sentir só para me manter desocupado. Tarde era só um termo. E não veio nele o sentido mais triste que carrega. Veio nela, a noite como uma escuridão complacente e iluminada dos raios de outro dia trazendo misteres indefiníveis e imaginários, um sentido distante e perdido. Mas não permaneci. Pereci a memória da tarde.
Decidi beirar à tarde. Sentar-me em dias que não encontram espaço e vagam por entre as horas, como fossem coisas voláteis e não superassem a inconsistência do tempo. Decidi isso e já não sabia onde encostar. Planavam lembranças sólidas nas solidões que eu guardava. E ela ali, à minha frente, tensa e sincera e calada.
E os dias foram tornando-se líquidos e incertos. Olhava-me no espelho dos meus olhos e via que nada possuía de mim nem de meu. Meus braços. Veias que vazavam transparências carmins em rios de sinuosas estradas por entre carne e pele e medo.
Bebiam meu sangue os ódios que eu guardava junto das lembranças boas. Diferenciavam-se apenas pelo som que produziam ao se chocarem quando em vez. Nem queriam ficar, quiseram mais foi saber de que lado eu dormiria se não restasse espaço. Mas nada há que, a suplicar, me invite. Podia sobreviver às tolices do verão, porém o inverno exigia maiores cuidados, o inverno era mais denso, mais coeso, e sabia no que isso implicaria. Sangue e silêncios e espaços de tempo.
Eu queria mais era aproveitar aquela tarde morna. Tanto que sentar-me à beira dela era uma opção bastante coerente com a paisagem mental que havia criado para mim. E de nada adiantaria negar que eu era. Sabia a tarde como uma extensão de minha própria tepidez. E, de tépida e intrínseca, a tarde veio. Vieram também mais solidões como as de antes. Ele estaria dançando não fossem tantas perdas. Sangue de braços embaçados. E era tudo simples.
O vazio do abraço buscou outro gesto, outra paragem. Durou a brevidade de dois segundos silentes dos ponteiros de algum relógio quebrado. Mas foi o suficiente para entender que felicidade não é questão de ser, mas de estar-se detido nela.

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