terça-feira, 24 de maio de 2011

Crônica de uma conversa



Ela sorria. Ela sorria muito. Mas era séria. E era uma seriedade sobrea e agradável. Transmitia uma confiança, entende? Como uma sensação de estar-se diante de uma interrogação que não suscita dúvida.
Falar, o verbo da sua vida, era como respirar. Expressar opiniões, narrar fatos. Questionamentos eram poucos. Mas sobretudo ela era ela, e isso não se podia negar. Tanto bela que, por vezes, eu me perdia naqueles olhos, naquela pele, naquele cabelo. E quando constrangida ficava ainda mais bonita, rindo até quase chorar, escondendo o rosto com as mãos, afinando um pouco a voz quando pedindo para caracterizar minhas opiniões. Usava com maestria a sua meiguice para ter, dos outros, o que necessitava. Complexa como as engrenagens de um relógio antigo, como um sistema perfeito. E era redonda! Mas valorizava as coisas simples. O que esperava era o básico, o quase óbvio. Exigia pequenas atenções, carinhos eventuais ou então que a questionassem às vezes...
Naquela noite, quando percebi que não poderia permanecer calando meus anseios, pensei em falar com alguém, um amigo. A primeira ligação foi frustrada. Como a angústia era grande, tentei uma segunda vez, uma segunda pessoa, ela. Foi então que me atendeu, aquela voz singular e gentil dizendo que me receberia sem problemas.
Supus que seria frio, mas havia a necessidade daquele momento.
Abriu a porta da sala com um sorriso característico, único, e me disse já das ausências da casa, de como havia sido estar sozinha no final de semana, de como havia sobrevivido à febre terçã causada pela sinusite que lhe provocava um mau humor intenso. Os detalhes foram talhando na madeira do meu ouvido o quadro daqueles últimos dias, como se fosse construindo um conceito daquilo que lhe havia motivado os dias em dias que não se buscam motivos para nada. Ouvi tudo com dedicada atenção e zelo para depreender detalhes que pudessem me buscar assuntos relevantes àquela esfera.
 Diferentemente das outras mulheres, ela possuía um encanto diferente, um brilho magnífico. Eram impressões que eu tinha nas vezes que me falava, com entusiasmo, dos planos para um futuro de logo ali. Falou-me com sofrível tranquilidade sobre detalhes do rompimento com o último namorado e de como a relação com o atual estava se mostrando difícil, deixando claras sua insatisfação e incerteza sobre o futuro dos dois. Eu, como expectador, reservei-me ao papel de ouvinte, temendo o risco que uma opinião pode conter. Mas admirava aquele contato, aquela cumplicidade produzida pelas confissões.
Estava acostumado à superficialidade dos diálogos, uma vez que, embora minha personalidade se mostrasse voltada a um tipo social, minha simpatia atraia pessoas dos mais diversos níveis de interesse e assunto. Com ela não. Com ela eu podia exercer minha reflexão sem temer parecer agudo em demasia, mesmo que ela observasse vez ou outra que não encontraria tão cedo alguém com características semelhantes às minhas. E essas situações eram tão leves que não sentíamos, não notávamos o mundo girando junto com os ponteiros do relógio que definia o tempo em algarismos.
Falamos mais sobre outras coisas. Ou melhor, ela falou-me mais sobre outras coisas. E eu me concentrava em apenas ouvi-la, observando quando em vez alguns aspectos que julgava interessantes. Eu observava, também, características dela que me agradavam ou que a diferenciavam, como a noção de certo e errado, a forma contundente com que exprimia um ponto de vista, quase que determinando que aquele fosse a verdade final. Mas, sobretudo, a delicadeza rude dos gestos e a consciência de si que possuía era o que mais me encantava...
Por fim, encerrando aquele “diálogo”, despedimo-nos com palavras de carinho e de protocolares promessas de novos encontros. Ao ligar o carro, tentei lembrar o que me havia motivado a ir até ela. Não lembro. Não disse. Não foi preciso...

Um comentário:

Nabuco disse...

Texto muito bem elaborado! Vai nessa que o mundo dos e-books precisa de novos bons escritores.