quarta-feira, 25 de maio de 2011

Para Li!

DOS SILÊNCIOS QUE SE SABEM
                                                                   A.R.S.

Sabia que existia, pois lhe doíam, às solidões das tardes frias, os sábados sem pranto e sem mão em sua mão. Sabia e não lhe faltavam incentivos para desistir da casa e partir às caminhadas pelas ruas quase limpas da cidade. Eram outonos que traziam manhãs e tardes e noites e silêncios de folhas secas quebrando sob os pés.
Seguia sem perceber os matizes que as crianças davam à praça à medida que o caminho era vencido – embora não houvesse caminho definido. Olhar demandaria mais atenções do que ele podia oferecer nesses dias de frio e andares solitários. Num extremo, poderia desviar os olhos para observar, entre os fios e as folhas, as nuvens traçarem rotas no céu acinzentado. Indiferente, despreocupado, incompreensível. Somente ia e isso era tudo. Era tudo o que podia oferecer: o olhar ignorante e a frieza dos passos. (fria indiferença)
Cabia bem naquela frase: “Não desisto de te existir”. E residiu nela duras horas. Duas vezes se pôs diante do todo que se lhe apresentava, e não eram poucos estares nesta escolha. Dela dependiam dois destinos.
Mas, acima de tudo, escolheu a si. Merece-se escolher os caminhos pelas expectativas pessoais dos destinos? Não saberia responder. O que decidiu foi, dadas as definições da sua responsabilidade, dedicar-se inteiramente ao sucesso da empreitada que então escolhera.
[...]
Sabia que resistiria, pois palpitavam – embora veladamente - sensações de esperança de uma primavera multicor. Queria percorrer aqueles melancólicos passeios sem entristecer-se com a dureza dos gestos de outrem dando serviço às suas angústias. O frio aproxima e afasta. Necessita-se o calor do outro, mas muitas vezes o que se obtém é a indiferença, alheia à nossa presença.
Ela permanecia no tempo aguardando a chegada precisa daquele que lhe faria notar o sinal sempre buscado. Viria sem estender os braços ou brandir suas armas, daria apenas o sorriso condescendente ao inclinar a cabeça num cumprimento cordial. Mas é impossível planejar o destino.
Ele surgiu imenso na frieza dos seus passos. Nem mesmo ela pôde entender de onde seus olhos se desviaram para colidirem com os dele, naquele ato insensato de total espontaneidade. Perdeu o prumo, a pose, o peito. Sucumbiu à dureza que tanto temia, e nela se perdeu.
[...]
Então eles, diante um do outro, puseram-se a não falar incessantemente, tornando-se silêncio ambíguo e duradouro, como fossem ambos feitos da mesma matéria, e fossem ambos carregados para aquele momento. Couberam perfeitamente no silêncio que carregavam, como se nada daqueles ditos de não-existência do destino fizesse sentido.
Então, como se o Sol resolvesse acarinhar aquele encontro, o céu desceu sobre eles em levíssimos flocos de gelo, num chover tão sólido quanto os sentimentos que se avolumavam no peito dos dois. E os passeios escassearam; as tardes de sábado ganharam novos transeuntes; as crianças continuaram a matizar a paisagem das praças.
Eis os mistérios dos finais...

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